domingo, 22 de janeiro de 2017

HOMENAGEM AOS MALANDROS

ÍNIMIGO ÍNTIMO - Sérgio Vaz

*(baseado em fatos que não aconteceram, mas que poderiam ter acontecido facilmente. De verdade ninguém morreu, ninguém matou, por isso não vale como estatísticas para Segurança Pública)
A Guerreira em questão morava no topo da favela, lá, onde subindo a ladeira mora a noite, e chegava do trabalho lá pelas dez. Um ônibus lotado, mais o que doía mesmo era o trem.
Chegou em casa e o suposto marido, graduado em marginalidade já estava louco de cachimbo, na cidade de Deus onde todos foram esquecidos, o nóia era conhecido como colecionador de pedras.
Um dia já foi trabalhador, mas... Pensamentos vadios é foda.
Elizandra já não suportava mais essa vida, mas não se sabia porque vivia pelo vão da felicidade, enquanto o desgraçado do Ademiro vivia na fortaleza da desilusão. E assim, viviam a vida que ninguém vê.
No sábado, hoje é quinta, ela vai matar o desgraçado, só que ela ainda não sabe, nem ele, por isso seguia sobrevivendo no inferno no seu castelo de madeira noite adentro planejando o assassinato.
Pronto, já é sábado -resolvi cortar a sexta-feira e partir direto para os acontecimentos.
Quando Elizandra chegou, moída do trabalho, encontrou novamente o traste bem louco na cadeira no canto da cozinha.
A casa estava imunda, um quarto de despejo. Foi a gota D´agua.Ela o matou com o tiro bem no meio da cabeça.
Foi assim:
Há alguns dias ela tinha conseguido um revólver emprestado de um admirador, que não via a hora do nóia se mudar do Capão pecado para ele logo se entocar na goma do malandro.
A Guerreira já chegou decidida, o zóio estava pegando fogo, vixe, ela era o próprio manual prático do ódio.
Chegou no barraco às cegas, mas qualquer um podia sentir o rastilho da pólvora que ela trazia no olhar.
Estava ali, de passagem, mas não a passeio, e pensando que cada tridente em seu lugar, ou seja, ela feliz, ele a caminho do inferno.
Já podia vê-lo no cemitério no buraco do terrão, tipo desenho de chão.
Ela o chamou pelo nome:
-Ademiro, vou te dar uma letra.
Ele olhou para ela e para o cano do cano do brinquedo assassino que ela trazia nas mãos.
-Eita porra, que porra é essa?
-Acabou!
Disse mais um monte de coisa e gastou toda sua gramática da ira contra o aspirante a defunto.
Dizem alguns vizinhos que ela deu várias letras, mais ou menos, 85 letras e um disparo.O barraco virou um angu de sangue, deu até no notícias jugulares: “Morre nóia que batia na mulher”.
A vizinha que lia a manchete olhou para o dono da banca e disse:
-A morte desse verme foi um presente para o gueto.
Periferia é periferia em qualquer lugar!

Sérgio Vaz

dados bibliográficos:
Guerreira, O Trem: Alessandro Buzo
Subindo a ladeira mora a noite, Pensamentos vadios, Colecionador de pedras: Sérgio Vaz
Graduado em marginalidade, 85 letras e um disparo, Ademiro: Ademiro Alves, Sacolinha
Cidade de Deus: Paulo Lins
Às cegas: Luiz Alberto Mendes
Vão: Allan da Rosa
Fortaleza da desilusão, Capão pecado, Manual prático do ódio: Ferréz
A vida que ninguém vê: Eliane Brum
Sobrevivendo no inferno: Racionais Mc´s
Castelo de madeira, Brinquedo Assassino: Grupo A Família
Noite adentro : Robson Canto
Elizandra Mjiba
Quarto de despejo: Carolina de jesus
De passagem, mas não a passeio: Dinha
Rastilho da pólvora: Antologia do sarau da Cooperifa
Cada tridente em seu lugar: Cidinha
Desenho de chão: Silvio Diogo
Gramatica da ira: Nelson Maka
Angu de sangue: Marcelino Freire
Notícias jugulares: Duguetto Shabbaz
Um presente para o gueto: Fuzzil
Periferia é periferia em qualquer lugar: GOG

Nenhum comentário:

Postar um comentário