sexta-feira, 20 de junho de 2014

O que é a literatura periférica? Poeta Sérgio Vaz responde

Sérgio Vaz participou de uma roda de conversa no Festival Literário de Votuporanga (FLIV) com o escritor Marcelino Freire e mediada pelo jornalista Luiz Nadal. De acordo com publicação feita em sua página no Facebook, entre as diversas perguntas, ele recebeu uma de um jovem sobre o que seria a literatura periférica. Entre uma brincadeira e outra, Sérgio Vaz teria respondido que a literatura periférica é feita por quem mora na periferia; poderia até ser feita por quem é de fora dela, mas não ficaria “bom”.




O QUE É LITERATURA PERIFÉRICA?
Ontem fui participar de uma Roda de conversa na FLIV - Festival Literário de Votuporanga com o escritor e amigo Marcelino Freire e mediado pelo jornalista Luiz Nadal.
Bom, estar ao lado de Marcelino é se,pre garantia de um bom papo, é sempre sobre literatura, e é sempre com bom humor. Da hora.
O auditório estava lotado e o público foi extremante pontual e conciso nas perguntas. Polêmicas e mais polêmicas sobre literatura periférica. Isso é muito bom.
"Aliás, o que é literatura periférica?" Me pergunta um jovem.
"O que é literatura grega?" respondo com outra pergunta.
"Ora, feito pelos gregos." Sapecando a resposta.
"Então, LP é feita por pessoas que moram na periferia, simples assim."
" Ah, então quer dizer que se eu tivesse nascido num bairro nobre não poderia escrever literatura periférica?" Pergunta indignado agora.
"Poder pode..." Eu respondo. "Só que não vei ficar bom."
Minha resposta foi mais uma provocação mesmo, pois há tempos venho assistido o crescimento desse movimento literário que cresce cada vez mais e com mais qualidade. E com vários nomes também, e isso é muito importante, não padronizar.
Lógico que tem os oportunistas também. Cola na quebrada, aprende como se faz, chama de família, sai falando mal da gente, depois fala que criou o bagulho sozinho e se intitula o pai da literatura, só porque através do discurso do bom camarada ganhou passaporte de 6 meses para andar na quebrada.
Tem os caçadores de editais que para conseguir uma verbinha pública, o neguinho branco fala que é mais preto que o preto, o neguinho classe média diz que é mais favelado que o favelado e fala gíria com para esconder o sotaque letrado da academia (que besteira!, mal sabe ele que na periferia todos gostariam de ter um diploma universitário).
Tenho o maior respeito pelos solidários e não importa de onde a pessoa vem. Quem é, é. Não paga de ser.
Como em todo lugar, nobre ou pobre, tem gente que presta e tem gente que não presta. Estou falando de literatura, não confundam.
Dessa literatura que nasce das ruas violentas, da saúde precária, do ensino de má qualidade, do racismo, do preconceito de classe, do desemprego, das mazelas sociais, etc. Dessa literatura que denuncia o que se sofre na pele. Dessa literatura das letras descalças, mas de pés firmes e calejados que não descansam nunca. Dessa literatura que sangra na página e umedece de lágrimas. Dessa literatura órfã de pai e mãe, dessas letras mal dormidas, dessa palavra torta e mira certa, que falta trigo na hora do pão.
Dessa poesia que apanha na cara, e não da a outra face. Desse verso maltrapilho que dorme nas calçadas, mas não pede esmola. Da rima pobre, que por dignidade, não pede dinheiro emprestado nem compra fiado.
A Literatura que fala dessa vida desgramática que dói mesmo quando a gente parece que está feliz.
Ah, mas vão dizer, como disseram outro dia:
"E quando tudo isso acabar, a fome, a miséria, o racismo, a violência, enfim, vocês vão escrever sobre o que?"
"Eu vou escrever um livro chamado, 'Que mundo maravilhoso´."
É disso que a Literatura de periferia fala, da luta e da busca de um mundo maravilhoso para todos nós.
Não importa se com menos ou mais crase, com menos ou mais vírgulas> Essa literatura não se mede pela pontuação, métrica ou estética, ainda que tudo isso tenha sua serventia, mas pela postura de suas linhas e entrelinhas.
Nesse caso, se tiver nobreza nos atos e não tiver pobreza no coração, pode escrever essa literatura.
Nem se isso pode ser chamado de literatura, porque é sobre nossas vidas que a gente escreve. Sobre essas e outras vidas que a gente teve.
Sergio Vaz
25 anos de poesia

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